domingo, 3 de julho de 2011

O que significa ser uma pessoa espiritual? (Por Taynã Bonifácio)

Resolvi escrever esse artigo após ler um capitulo do livro a “Bem-Vindo à Sabedoria do Mundo” da monja beneditina Joan Chittister. O livro mostra o que as grandes religiões nos ensinam para viver melhor.

Atualmente, dizer que uma pessoa é muito religiosa é visto de forma não tão positiva, pois muitas vezes remete a imagem de uma pessoa fanática e alienada do mundo. Contudo, dizer que uma pessoa é muito espiritualizada é diferente…Esse termo ficou comum nas revistas, artigos e cursos. Mas, o que significa ser uma pessoa espiritual?

Existem pessoas que frequentam igrejas, templos, centros a vida inteira e não são espiritualizadas. E por outro lado existem pessoas que nunca foram à esses lugares e são muito espiritualizadas.  Para Joan Chittister:  “a religião tem a ver com nos conduzir a uma consciência de Deus, como nos dar ferramentas, as displinas para nos prepararmos para a experiência de Deus. A espiritualidade tem a ver com transformar o modo como vivemos como resultado daquela consciência, com infundir na vida todo um senso de Presença que transcende o imediato e lhe dá significado.”



Para Joan, a religião não significa seguir um ministro ou criar um deus a partir de práticas religiosas. A religião destina-se a ser uma ponte para Deus, um veículo para o entendimento.

A monja ainda evidencia um aspecto contemporâneo. “Se a religião em si é necessariamente tão santificadora, por que há tantas guerras, tanta matança, tanta opressão ilimitada, e tudo em nome de Deus? Talvez seja porque a própria religião às vezes perde a espiritualidade, o espírito de Deus que ela prega. Apenas quando nosso próprio coração é tão grande quanto o Deus que nos fez é que nos tornamos religiosos e espirituais.”
A espiritualidade é o que nos conduz, para além da prática religiosa, ao propósito da religião: a consciência do sagrado no mundano.

Joan conta uma história hindu que nos ajuda a entendermos melhor a consciência do sagrado. É a história de um ermitão preocupado com o fato de que seu filho, no estudo da religião, tinha perdido o espirito que estava disposto a manter:

Era uma vez, um eremitério escondido na floresta, um sábio, Uddalaka Aruni, que vivia com o filho, Shvetaketu. Quando Shvetaketu cresceu, seu pai enviou a um ashram, para estudar, como era de costume naqueles dias. Quando Shvetaketu voltou para casa após doze anos de educação, Uddalaka lhe perguntou:
O que você aprendeu enquanto esteve no ashram, meu filho?
- Aprendi tudo que há para ser aprendido, Pai. – Shvetaketu respondeu.
Ao ouvir isso, Uddalaka ficou calado e pensativo: “Quanda vaidade! Tal convencimento provém apenas da ignorância.”
- Minha criança, você precisa alcançar o conhecimento da essência de todas as coisas, o Uno que existe em tudo neste Universo.
- Mas Pai, se não podemos ver a essência, como sabemos que ela existe? – perguntou Shvetaketu com a mente confusa.
- Explicarei a você, meu filho. – respondeu Uddalaka.
- Primeiro, pegue um pouco de sal e ponha o sal na água. – instruiu o Pai e Shvetaketu fez o que o pai lhe pedira.
- Deixe o jarro de lado por enquanto e traga-o para mim amanhã de manhã. – disse o pai.
Na manhã seguinte, bem cedo, Shvetaketu foi ao encontro do pai com o jarro de água.
- Você consegue ver o sal?, perguntou Uddalaka.
Shvetaketu procurou, mas, claro, o sal não estava visivel. Shvetaketu disse:
- Não pai, deve estar dissolvido na água.
- Agora, prove a água da superfície – ordenou o Uddalaka.
Shvetaketu mergulhou o dedo e provou á água da superficie.
- Está salgada – disse Shvetaketu.
- Agora, prove a água do fundo – disse o pai.
- Também está salgada pai – respondeu Shvetaketu.
Então o pai disse:
- De maneira semelhante, Shvetaketu, assim como não consegue ver o sal, você não consegue ver a essência. Mas ela sempre está presente em todos os lugares.
Por fim, Uddalaka concluiu:
- Meu filho, aquilo que você não consegue pegar, mas que pode provar cada gota é a Realidade. Essa essência onipresente é chamada atmã, o que a tudo permeia. Com você também é assim, Shvetaketu.

Joan diz: “A lição que a história pretende nos ensinar é simples, mas profunda. Existe algo no Universo, a Essência da vida, diz-nos a história, que, vivendo em nós, nos sustenta.[…] Em cada um de nós reside o espirito que é a essência da vida. É mais do que conceitos religiosos, mais que regras e mais que ritual, entretanto é certo que cada uma dessas coisas tem o propósito de nos aproximar dela. Na base, porém, está apenas a interiorização da vida do espirito, que é a medida de sua efetividade. […] O propósito da religião é nos conduzir para além de nós mesmos, à união com Deus, para aquele consciência, que a tudo permeia, do espirito da vida e da verdade que vive em nós agora e para qual a nossa vida é dirigida. A pessoa espiritual é aquela que busca, acima e abaixo, através e além dos compromissos e conceitos de religião, a sacralidade da vida toda.”

Joan cita a seguinte frase de Jacquelyn Small: “Não somos seres humanos que tentam ser espirituais. Somos seres espirituais que tentam ser humanos.”

A pessoa espiritual sabe que não existe diferença entre o sagrado e o secular, o material e o espiritual. Tais aspectos são simplesmente parte da Essência, simplesmente degraus para o caminho de Deus.

Não podemos fazer da religião um fim, mas sim um meio para alcançar a nossa espiritualidade e a união com Deus. Quando a religião é vista como um fim, existem as guerras, intolerância religiosa e outros problemas. Gandhi dizia: “As religiões são caminhos diferentes convergindo para o mesmo ponto. Que importância faz se seguimos por caminhos diferentes, desde que alcancemos o mesmo objetivo?” Laurence Freeman também destaca a importância do diálogo inter-religioso dizendo: “a verdadeira natureza do diálogo significa que você troca pontos de vista com o outro, expande sua própria perspectiva de realidade, tenta ver o mundo a partir das crenças de outras pessoas. Isso não significa que você aceite essas crenças, mas que tem coragem de olhar o mundo a partir da visão do outro. Esse é um desafio dificil e exigente, mas é a base real de qualquer relacionamento.”

Acho que a religião nos ajuda a ter disciplina, fornece ensinamentos sagrados e nos indica o caminho para a espiritualidade. Contudo, não adianta sermos grandes teóricos e não termos a prática e a experiência.  O caminho da meditação me proporcionou um pouco mais de espiritualidade por meio da experiência contemplativa, contudo preciso da religião para ter a disciplina e sabedoria para trilhar esse caminho. Certa vez, perguntaram para Carl Jung, pai da psicologia analitica, se ele acreditava em Deus e ele respondeu: “Não, eu conheço Deus”. Acho essa resposta resume tudo o que escrevi até aqui. A religião nos ajuda a acreditar em Deus, a espiritualidade nos ajuda a conhecer Deus. E como ainda dizia Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”


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