domingo, 24 de junho de 2012

Eu sei, mas não devia (Marina Colasanti)




Eu sei, mas não devia
Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(1972)

Marina Colasanti
 nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Comunhão: profundidade da comunicação

"E o nível mais profundo de comunicação não é comunicação, mas comunhão. É sem palavras. Está além das palavras, está além da fala e está além do conceito. Não que descubramos uma nova unidade. Descobrimos uma unidade mais antiga. Caros irmãos, já estamos lá. Mas imaginamos que não estamos. E o que temos de recuperar é a nossa unidade original. O que temos de ser é o que somos."

The Asian Journal of Thomas Merton
(New Directions Publishing Corp. New York), 1975  p. 308
No Brasil: O Diário da Ásia de Thomas Merton, (Ed. Vega, Belo Horizonte), 1978, p.242.

Olhando de Fora (Por Yehuda Berg)

Às vezes você começa a falar com a televisão quando está assistindo um filme muito bom? Especialmente quando se trata de um drama, filme de ação ou suspense? Às vezes é tão óbvio para nós o que os personagens devem fazer para sair das situações complicadas... Se for um filme assustador, eu geralmente penso: “Por que ela está correndo escada acima ao invés de correr para fora da casa?” Se for um suspense, começo a dizer: “Vira, vira! O bandido está bem atrás de você!”

Isso não acontece só nos filmes, mas também em nossas vidas. Talvez, ao presenciarmos uma situação entre dois amigos, achemos que está claro o que eles devem dizer ou fazer um ao outro para resolver suas questões. Enquanto isso, temos pessoas nas nossas próprias vidas com quem parece não conseguirmos nos conectar. Não sabemos o que dizer ou fazer para reduzir o espaço entre nós e um colega de trabalho, ou como consertar uma amizade que esteja se deteriorando, ou como nos aproximarmos e estarmos presentes na vida de uma pessoa da família.

Quando olhamos uma situação de fora, temos todas as respostas. Só quando estamos pessoalmente envolvidos no drama é que a verdade se torna obscura.

Raramente olhamos para as coisas que se apresentam em nossas vidas com distanciamento. Distanciamento não significa não se importar; significa observar nossas vidas da forma como o faríamos se estivéssemos em um filme, com atores e um cenário com o qual não estivéssemos conectados de forma fundamental.

Quando encaramos as coisas a partir da perspectiva de como elas nos afetam e de como as possuímos, imediatamente nos conectamos com o Desejo de Receber para Si Mesmo.

Para nos conectarmos com a Luz, temos que tentar olhar para as coisas de uma certa distância, objetivamente. A única forma pela qual podemos começar a reconhecer o que é certo fazer é olhando para as coisas com uma visão de fora de nós mesmos.

Vamos tentar encontrar pelo menos um conflito em nossas vidas esta semana onde possamos testar este conceito. Talvez se pudermos investir algum tempo, imaginando em nossa mente alguém estranho na mesma situação, e pedirmos à Luz para nos guiar, possamos enxergar mais claramente o que podemos fazer para resolver o problema.

Quando removemos nossos sentimentos pessoais de qualquer situação, nossos olhos são capazes de enxergar a verdade claramente.

Tudo de bom,

Yehuda

Oceano


“Experimente ser como um oceano. Vá tão profundo quanto quiser nessa viagem. Ondas fortes virão na superfície mas você pode mergulhar e encontrar paz. O oceano é ilimitado. Veja onde o mar encontra o céu. O mar vai fundo, o céu vai alto. Veja o horizonte, quase não dá para ver onde o mar termina e onde o céu começa. Torne seu intelecto tão ilimitado como o oceano. As situações podem surgir na superfície da vida mas você permanece tão inabalável como a quietude do fundo do mar. Isso é possível através da meditação.“

Dadi Janki