sexta-feira, 27 de maio de 2011

Ser Águia ou Ser Galinha - uma metáfora do caminho da meditação (Por Taynã Bonifácio)


Nessa terça-feira em nosso encontro de meditação, li um capítulo chamado “A abstração do materialismo “do livro Perder para Encontrar de Laurence Freeman.
Sem dúvida, é um texto importantíssimo para os dias atuais.  Laurence questiona no inicio do capitulo o porque das pessoas iniciarem o caminho da meditação e diz:
“Estamos acostumados a pensar a nossa sociedade como sendo fanaticamente materialista. Mas não estamos propensos a pensar sobre nós mesmos como materialistas, porque ninguém gosta de ser chamado de “materialista”. Ainda assim devemos reconhecer que, de muitas maneiras, nosso estilo de vida, personalidade e hábitos mentais são condicionados pela preocupação excessiva com o lucro, produtividade e eficiência.
É surpreendente, por exemplo, como encontramos tão poucas pessoas que estão felizes em seus empregos. Quando você faz a pergunta a maioria das pessoas: “Porque você faz este trabalho o qual acha tão indigno de você, tão vazio e que odeia tanto?”, elas respondem: “Bem, eu tenho que fazê-lo. Tenho direito de certas coisas e devo trabalhar para consegui-las.”


E aí, surge o perigo da abstração. Ou seja, ficamos excessivamente focados na busca de determinado objetivo e não consideramos outros aspectos importantes da vida. Ficamos com uma visão parcial e perdemos o sentido de totalidade.
O perigo do materialismo é que ele transforma tudo em mercadoria. O texto fala como até a espiritualidade virou um produto. As pessoas buscam cursos rápidos e  retiros para desenvolverem seu “autoconhecimento” em 7 passos ou em 7 dias.
No Manifesto Comunista, Marx diz: “O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral da vida, social, politica e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é seu ser social que determina a sua consciência.” Marx evidenciava como o capitalismo destruiu os laços humanos reduzindo tudo ao “pagamento à vista.” Até as relações familiares foram corrompidas e reduzidas a uma relação monetária.
E se por um momento pararmos e questionarmos o nosso ritmo de vida atual, veremos que muitas vezes estamos correndo atrás de coisas materiais e quando as alcançamos percebemos que elas são vazias de significado.  Ao invés de satisfação, elas nos trazem uma sensação momentânea de felicidade e posteriormente o medo de perder aquilo que conseguimos.
Tudo isso me fez pensar no livro de Leornardo Boff (filósofo e teólogo) chamado “A Águia e a Galinha”. Como o próprio autor diz, o livro é uma metáfora do condição humana. Segue abaixo a história narrada por James Aggrey, politico e educador em Gana:
Era uma vez um camponês que foi a floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Coloco-o no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e ração própria para galinhas. Embora a águia fosse o rei/rainha de todos os pássaros. Depois de cinco anos, este homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista. Enquanto  passeavam pelo jardim, disse o naturalista:
- Esse pássaro aí não é galinha. É uma águia.
- De fato – disse o camponês. É águia. Mas eu criei como galinha.  Ela não é mas uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar das asas de quase três metros de extensão.
 - Não – retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração a fará um dia voar ás alturas.
 - Não, não – insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia.
  Então decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e desafiando-a disse:
- já que você de fato é uma águia,  já que você pertence ao céu e não a terra, então abra suas asas e voe!
A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas. O camponês comentou: 
-         Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha! 
-         Não – tornou a insistir o naturalista. Ela é uma águia. 
E uma águia será sempre uma águia. Vamos experimentar novamente amanhã.  No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da casa. Sussurrou-lhe: 
-         Águia, já que você é uma águia, abra as suas asas e voe! 
Mas quando a águia viu lá embaixo as galinhas, ciscando o chão, pulou e foi para junto delas.  O camponês sorriu e voltou à carga: 
-         Eu lhe havia dito, ela virou galinha! 
-         Não – respondeu firmemente o naturalista. Ela é águia, possuirá sempre um coração  de águia. Vamos experimentar ainda uma ultima vez. Amanhã a farei voar. 
No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia, levaram para fora da cidade, longe das casas dos homens, no alto de uma montanha. O sol nascente dourava os picos das montanhas. O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe: 
- Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe! 
A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte. 
Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergue-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto, a voar cada vez mais para o alto. Voou... voou... até confundir-se com o azul do firmamento...”
Aggrey, após citar a história diz:
- Irmãos e irmãs, meus compatriotas! Nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus!  Mas houve pessoas que nos fizeram pensar como galinhas. E muitos de nós ainda acham que somos efetivamente galinhas. Mas nós somos águias. Por isso, companheiros e companheiras, abramos as asas e voemos . Voemos como as águias. Jamais nos contentemos com os grãos que nos jogarem aos pés para ciscar.
Para Leonardo Boff:  “A  galinha expressa a situação humana no seu cotidiano, no circulo da vida privada, nos afazeres domésticos, nos hábitos e tradições culturais, na dimensão inevitável de limitações e sombras que marcam a vida, numa palavra, em sua imanência. A águia representa a mesma vida humana em sua criatividade, em sua capacidade de romper barreiras, em seus sonhos, em sua luz, resumindo, em sua transcendência. [...]. O ser humano precisa unir enraizamento e abertura, luz e sombra, céu e terra, masculino e feminino. Urge saciar as duas fomes que o acometem: fome de pão e fome de espiritualidade. Sente a urgência de celebrar um matrimônio de dimensões pessoais, sociais e cósmicas. De outro modo acabará sofrendo, fragmentando-se e perdendo seu centro.”
Voltando ao inicio desse artigo, poderíamos dizer que meditamos pelo desejo de ser águias.  Meditamos para sermos completos e encontrarmos nosso centro. Meditamos para chegarmos a transcedência...Mas, cuidado! Uma sociedade materialista fará você se contentar com os grãos jogados no chão e levará você a viver eternamente em um galinheiro. 

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