sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O que significa Estabilidade?


A cada dia que passa e me aprofundo no conhecimento da Regra, fico espantada como São Bento tinha uma grande sabedoria e conseguiu transmitir ensinamentos fundamentais para a vida contemplativa com extrema simplicidade.
            Escrever sobre estabilidade, fez com que eu tivesse consciência da minha fraqueza. Como é importante manter as duas meditações diárias e a leitura de textos sagrados com a disciplina da estabilidade. Caso contrário, a mente se distrai facilmente com as distrações e meu coração fica pesado com as preocupações da vida.
            A estabilidade adquire uma importância fundamental em um mundo de extremos. Ela me ajuda a viver no deserto e na multidão. Como chegar a Deus se não estiver enraizada em meu centro? E como chegar ao centro vivendo nos extremos? A estabilidade é o caminho da moderação.
            A estabilidade gera profundidade em um mundo com múltiplas escolhas que estimula a superficialidade. Sem a estabilidade vivemos fragmentados.  E como dizia o arcebispo Michael Ramsey: “Jesus todo inteiro exige o homem todo inteiro.
            Mas sem dúvida nenhuma, o ensinamento mais importante desse preceito é que ela me fez descobrir que por meio de um coração estável posso perceber a presença de Deus em todos os lugares. Não é preciso estar na igreja, no mosteiro ou em outro local sagrado.  A estabilidade faz com que a alma fique mais leve para perceber Deus em todos os eventos.
            Como Anthony Bloom brilhantemente disse:
“O que é a estabilidade? Parece-me que se pode descrevê-la assim: vocês encontrarão a estabilidade quando descobrirem que Deus está em toda parte, que não há necessidade de procura-lo em outro lugar, que Ele está aqui e se vocês não conseguirem encontra-lo aqui é inútil procura-lo em outro lugar, porque não é Ele que está ausente, somos nós...É importante reconhecer que é inútil procurar Deus em outro lugar. Se vocês não o encontrarem aqui, não encontrarão em parte alguma. É importante, porque só quando vocês compreenderem isso é que poderão descobrir em si mesmos a plenitude do Reino de Deus em toda a sua riqueza; Deus está presente em toda parte e em todas as situações; vocês poderão dizer: Então, vou ficar onde estou.”
            Em certos momentos, vivemos a ilusão de que Deus está ausente, quando na verdade, somos nós que não estamos presentes e abertos para a realidade que é Deus. A estabilidade nos livra dessa armadilha.
            A estabilidade me ajuda a perseverar nos momentos em que a mente quer me enganar perguntando: “Qual o sentido de sempre repetir o mantra?” Nos momentos de fraqueza, a estabilidade é a força. Acho que é pela estabilidade que os monges caem e se levantam, caem novamente e se levantam.
            Como sempre repetir o mantra sem a estabilidade? Como ter a sensação de ser habitado por Cristo sem a estabilidade?
Nas conferência de João Cassiano, Abade Isaac diz: “tudo aquilo que nossa alma engendrar antes da hora de oração, nos será infalivelmente representado, pela memória, enquanto oramos. Por conseguinte, tais como desejamos ser durante a oração, urge que sejamos também antes da oração. Pois é de nossas condições anteriores que depende o estado de nossa alma durante a oração.”
Pela estabilidade, preparamos nossa alma para oração. Estabilidade é viver num espirito continuo de oração. Pela estabilidade minha vida se torna uma oração.
Então, vou ficar onde estou...

Taynã M. Bonifácio

O que significa Conversão?


Para falar sobre o significado de conversão é válido resgatar o meu caminho até a decisão de se tornar oblata. Sou de uma família católica e sempre tive grandes exemplos de fé em minha casa. Desde pequena participei das atividades da igreja local e lembro das missas aos domingos com os meus pais. Contudo, por volta dos 23 anos, tive uma certa crise com a igreja católica. Achava algumas pessoas da comunidade incoerentes e me sentia distante de Deus. Além disso, sentia falta de uma dimensão mais contemplativa na minha vida espiritual. Foi nesse período que iniciei a busca pela meditação e a encontrei no Budismo.
Frequentei o Budismo por 2 anos e nesse período me encantei com a prática meditativa. Achava maravilhoso o conceito do Bodisatva, atingir a iluminação para ajudar aos outros e libertar os seres do sofrimento. Todavia, ainda faltava algo... A filosofia budista era muito rica, mas não existia a figura de Cristo e a visão espiritual era um pouco distante da que acreditava. Então, encontrei a Meditação Cristã e posso dizer que a partir desse encontro iniciou-se meu processo de conversão. Foi a abertura para uma nova fase da minha vida, repleta de sentido e significado.
Vale ressaltar que essa busca iniciou-se por interesses pessoais e até egoístas, queria conhecer a mim mesma com maior profundidade.  E no caminho, percebi que o conhecer a si mesmo está totalmente ligado ao conhecer a Deus. Sinceramente, não sei quem vem primeiro, é uma busca e um encontro totalmente integrado entre o Eu e Deus.  Pela meditação, descobrimos que somos um com Deus.
Esse processo de conversão foi um grande período de aprendizado. Primeiro, entrei em contato com aspectos do meu ser que ainda não tinha consciência e aprendi a aceitar o que gostava e o que não gostava. E depois de formar a imagem de mim mesma, descobri que tinha que deixar o meu Eu para trás para ir ao encontro verdadeiro com Deus. É preciso deixar as imagens para trás, coloca-los na nuvem do esquecimento, para tentar atingir a nuvem do não-conhecimento com ajuda da graça de Deus. A conversão me ensinou a experimentar Deus por meio do amor ao invés de conhecer Deus por meio da sabedoria e conhecimento . E nesse trajeto descobri aquilo que fui chamada a ser. E como John Main disse: 
“Quando meditamos, nós não apenas nos afastamos das operações individuais do nosso ser, mas começamos a aprender a encontrar uma base completamente nova sobre a qual nos sustentar. Descobrimos uma raiz do nosso ser que não está apenas em nós, porque nos descobrimos enraizados em Deus, que é Amor.”
Ser oblato exige o compromisso de ser sempre um peregrino, vivendo uma conversão continua do meu modo de vida. A conversão nos leva ao centro e a Deus. A conversão exige a prática ao desapego e abertura para o novo. Com a conversão, enxergo cada dia como uma folha em branco, com Deus esperando que eu escreva o que realmente importa e é essencial. O voto da conversatio morum traz a exigência da continua transformação. Cada momento é simbolizado como morte e ressurreição, desapego ao passado e abertura ao novo. A conversão traz a plenitude do momento presente.
                  Com a conversão, a todo momento me pergunto: O que faria Cristo em meu lugar? Pela conversão, passamos a viver a partir de um novo centro, o nosso centro enraizado em Deus. A cela, o claustro torna-se meu coração. É para lá que tenho que voltar todos os dias, todas as horas.
                  E conversão exige novos hábitos: é preciso reorganizar a agenda para se dedicar aquilo que realmente importa, é preciso refletir sobre o que tenho dedicado tempo, é preciso fazer um inventário das minhas prioridades de vida, é preciso ter claro o que quero deixar no mundo, é preciso ir além dos interesses próprios e das vontades do ego, é preciso encontrar o sentido a cada momento, é preciso escutar a Deus.  Lembro-me de uma frase de Fernando Pessoa que simboliza muito o espirito da conversão:
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
Posso dizer que o noviciado foi o período dessa minha travessia, da trajetória da margem em direção ao centro , do abandono das roupas velhas e da abertura a novos caminhos.  Novos caminhos de amor...

Taynã Malaspina Bonifácio

O que significa Obediência?


Ao longo de décadas o homem luta por sua liberdade. A modernidade é marcada pela diversidade de escolhas possíveis e pela queda dos valores universais. Atualmente, não há clareza sobre o que se deve ser feito e de que maneira. E nesse contexto, podemos perceber dois movimentos: o conformismo e o totalitarismo.  O conformismo surge quando o homem faz o que os outros fazem, imitando comportamentos e padrões existentes. No totalitarismo, o homem faz o que os outros querem que ele faça. Contudo, o homem é um ser-livre e pode escolher seu próprio caminho.
                  A liberdade gera responsabilidade. Sartre dizia que “o homem está condenado a ser livre”.  Ou seja, o uso da liberdade exige discernimento e reponsabilidade nas escolhas.  Com a responsabilidade surge a esfera da obediência e somos livres para escolher a quem obedecer. Numa sociedade em que as instituições tradicionais perderam a força, rapidamente surgem novas opções de “direcionadores de sentido” que contribuem com o estado de conformismo e totalitarismo. Sem o despertar da consciência, as pessoas podem ser guiadas unicamente pelas empresas para as quais trabalha, pelas normas da sociedade em que vive, pelos padrões de consumo impostos e por outras variáveis.
                  O caminho da meditação levou-me ao centro do meu ser e nesse centro pude encontrar o meu verdadeiro “direcionador de sentido” e perceber o quanto os demais eram ilusórios. Então, passei a obedecer esse centro, que na verdade é Deus.  E a obediência a Deus está totalmente relacionada a escuta de Deus. A palavra obediência vem do latim obedire que tem a mesma raiz que audire (ouvir) .  O grande desafio é permanecer com a escuta ativa nesse centro.  Se não existir uma obediência constante, nossos corações podem rapidamente ser endurecidos e assim não escutamos essa voz.
A trajetória em direção a oblação me mostrou que só é possível chegar a Deus por meio da obediência. Obediência à palavra de Deus, obediência aos preceitos da Regra de São Bento, obediência ao Oficio Divino, obediência aos dois períodos diários de meditação, obediência a voz que encontro no meu centro... Contudo, não falo de uma obediência cega e imposta, que poderia gerar uma falsa interpretação como quando Karl Marx disse que a “religião é o ópio do povo”. Falo de uma obediência com um senso crítico e um elevado grau de discernimento, que nos faz encontrar o verdadeiro significado da “religião” (religare), ou seja, a reconexão com nosso centro e com Deus. Ao contrário do que pensamos, é nesse centro que somos nós mesmos e não na periferia do ego. Para alguns, falar que meditamos para escutar e fazer a vontade de Deus pode parecer uma forma de alienação, mas isso só acontece quando identificamos nosso eu e nossa identidade com o nosso ego. Ao chegar no centro, percebemos que se identificar apenas com essa periferia externa do ser chamada ego é viver o Eu de forma parcial e superficial. O Eu em sua totalidade e profundidade só pode ser vivido a partir desse centro.
                  São Bento dizia que a obediência é o primeiro degrau da humildade.  Todas as vezes que obedeço apenas a minha vontade sei que estou longe desse centro e movida por interesses próprios e egoístas. Toda vez que considero os outros e transcendo meu ego, sei que estou sendo obediente à Deus.  A obediência perfeita é aquela feita com alegria, sem demora e sem murmuração.  Escutar, renunciar à vontade própria e obedecer a Deus exige humildade. E o grande exemplo disso é Cristo, o verdadeiro oblato.
                  Para mim, o ponto crucial é que a obediência não se restringe a escuta, ela se concretiza com ações. Precisamos da contemplação para desenvolver a escuta e precisamos da ação para colocar no mundo o que escutamos de Deus. Temos que ser obedientes a palavra e a vontade de Deus. Com obediência precisamos ouvir a pergunta que Deus nos coloca a cada dia e com obediência precisamos dar essa resposta ao mundo. É um caminho em direção ao centro e de expansão ao outro.  Thomas Merton dizia:
“Quero o que Deus quer para mim em cada instante é o que me mantém em contato com esse centro; essa realidade é a vontade de Deus e exige uma resposta. Isso deve orientar as minhas opções. Devo permanecer em constante relação com esse centro de liberdade.”
                  A meditação me dirige a esse centro de liberdade onde encontro Deus, a obediência me dá disciplina para permanecer nele, a escuta à Deus me fez buscar a oblação e a decisão de ser oblata é minha resposta ao mundo.

Taynã Malaspina Bonifácio