Ao longo de décadas o homem
luta por sua liberdade. A modernidade é marcada pela diversidade de escolhas
possíveis e pela queda dos valores universais. Atualmente, não há clareza sobre
o que se deve ser feito e de que maneira. E nesse contexto, podemos perceber
dois movimentos: o conformismo e o totalitarismo. O conformismo surge quando o homem faz o que
os outros fazem, imitando comportamentos e padrões existentes. No
totalitarismo, o homem faz o que os outros querem que ele faça. Contudo, o
homem é um ser-livre e pode escolher seu próprio caminho.
A liberdade gera responsabilidade. Sartre dizia que
“o homem está condenado a ser livre”. Ou
seja, o uso da liberdade exige discernimento e reponsabilidade nas
escolhas. Com a responsabilidade surge a
esfera da obediência e somos livres para escolher a quem obedecer. Numa sociedade
em que as instituições tradicionais perderam a força, rapidamente surgem novas
opções de “direcionadores de sentido” que contribuem com o estado de
conformismo e totalitarismo. Sem o despertar da consciência, as pessoas podem
ser guiadas unicamente pelas empresas para as quais trabalha, pelas normas da
sociedade em que vive, pelos padrões de consumo impostos e por outras
variáveis.
O caminho da meditação levou-me ao centro do meu
ser e nesse centro pude encontrar o meu verdadeiro “direcionador de sentido” e
perceber o quanto os demais eram ilusórios. Então, passei a obedecer esse
centro, que na verdade é Deus. E a
obediência a Deus está totalmente relacionada a escuta de Deus. A palavra
obediência vem do latim obedire que tem a mesma raiz que audire (ouvir) . O grande desafio é permanecer com a escuta
ativa nesse centro. Se não existir uma
obediência constante, nossos corações podem rapidamente ser endurecidos e assim
não escutamos essa voz.
A
trajetória em direção a oblação me mostrou que só é possível chegar a Deus por
meio da obediência. Obediência à palavra de Deus, obediência aos preceitos da
Regra de São Bento, obediência ao Oficio Divino, obediência aos dois períodos
diários de meditação, obediência a voz que encontro no meu centro... Contudo,
não falo de uma obediência cega e imposta, que poderia gerar uma falsa
interpretação como quando Karl Marx disse que a “religião é o ópio do povo”.
Falo de uma obediência com um senso crítico e um elevado grau de discernimento,
que nos faz encontrar o verdadeiro significado da “religião” (religare), ou
seja, a reconexão com nosso centro e com Deus. Ao contrário do que pensamos, é
nesse centro que somos nós mesmos e não na periferia do ego. Para alguns, falar
que meditamos para escutar e fazer a vontade de Deus pode parecer uma forma de
alienação, mas isso só acontece quando identificamos nosso eu e nossa
identidade com o nosso ego. Ao chegar no centro, percebemos que se identificar
apenas com essa periferia externa do ser chamada ego é viver o Eu de forma parcial
e superficial. O Eu em sua totalidade e profundidade só pode ser vivido a
partir desse centro.
São Bento dizia que a obediência é o primeiro
degrau da humildade. Todas as vezes que
obedeço apenas a minha vontade sei que estou longe desse centro e movida por
interesses próprios e egoístas. Toda vez que considero os outros e transcendo
meu ego, sei que estou sendo obediente à Deus.
A obediência perfeita é aquela feita com alegria, sem demora e sem
murmuração. Escutar, renunciar à vontade
própria e obedecer a Deus exige humildade. E o grande exemplo disso é Cristo, o
verdadeiro oblato.
Para mim, o ponto crucial é que a obediência não se
restringe a escuta, ela se concretiza com ações. Precisamos da contemplação
para desenvolver a escuta e precisamos da ação para colocar no mundo o que
escutamos de Deus. Temos que ser obedientes a palavra e a vontade de Deus. Com
obediência precisamos ouvir a pergunta que Deus nos coloca a cada dia e com
obediência precisamos dar essa resposta ao mundo. É um caminho em direção ao
centro e de expansão ao outro. Thomas
Merton dizia:
“Quero o que Deus quer para mim em cada instante é o
que me mantém em contato com esse centro; essa realidade é a vontade de Deus e
exige uma resposta. Isso deve orientar as minhas opções. Devo permanecer em
constante relação com esse centro de liberdade.”
A meditação me dirige a esse centro de liberdade
onde encontro Deus, a obediência me dá disciplina para permanecer nele, a
escuta à Deus me fez buscar a oblação e a decisão de ser oblata é minha
resposta ao mundo.
Taynã Malaspina Bonifácio
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