Laurence Freeman OSB, COMMON GROUND: Letters to a World Community of Meditators (New York: Continuum, 1999), pgs. 104-105.
Tradução de Roldano Giuntoli
O grande risco que assumimos na meditação é, antes de mais nada, o de sermos nós mesmos. Este é o primeiro passo. Se não déssemos o correspondente próximo passo, jamais nos moveríamos de onde estamos; estaríamos saltando em uma só perna toda a nossa vida.
O próximo passo é o de assumirmos o risco de deixar que os outros sejam eles mesmos. A maneira de fazermos isso é percebermos que a realidade deles é distinta da nossa. E, percebê-los como reais é amá-los. Iris Murdoch escreveu certa vez que “o amor é a percepção do indivíduo”. Ela seguiu dizendo, “O amor é essa compreensão, extremamente difícil, de que algo além de nós mesmos é real. O amor e, assim também, a arte e a moralidade, é a descoberta da realidade. O que nos choca, nessa compreensão de nosso destino supersensitivo, é uma indizível particularidade.
A grande ação da contemplação é a de voltarmos nossa atenção para além de nós mesmos, na direção da realidade maior “fora de nós” que nos contém. É a mesma ação da contemplação, qualquer que seja a maneira como a consigamos: nos relacionamentos, na arte, no serviço e, na prece. Certamente, uma maneira fundamental de fazê-lo, é a de aprendermos a meditar, uma arte cujo aprendizado leva toda uma vida. Todavia, isso não se limita ao próprio trabalho da meditação. Meditar é aprender a viver contemplativamente em tudo o que fazemos. Santo Antão do deserto, certa vez, exortou seus discípulos a: “sempre respirar Cristo”.
As pequenas coisas guardam grandes mistérios. William Blake falava da santidade da “diminuta particularidade”. Como uma prática espiritual diária, a meditação logo se torna uma maneira de viver, na qual a nossa atenção às pequenas coisas expande o horizonte de nossa percepção, e as riquezas de nossa existência. A discrição, grande virtude da tradição do deserto, cresce em nossos julgamentos e relacionamentos com os outros. Com a discrição vem a sabedoria do equilíbrio e da moderação. Faz-se necessária uma forte energia compensatória, para corrigir uma vida que foi empurrada para fora do ponto de equilíbrio, e se desloca de um extremo, uma crise, ao outro.
Como um fruto espiritual da meditação, a discrição é uma força extremamente poderosa que é capaz de fazer isso. Ela nos mantém centrados, em meio às tormentas e às tragédias. Com o tempo, aprendemos a não abrir mão da meditação, quando os problemas da vida se tornam muito difíceis. Aprendemos que se pode meditar até mesmo numa prisão, quando a vida pode parecer ter terminado. Passamos a sentir os efeitos da meditação em todas as experiências com que a vida nos confronta: como lidar com os problemas do coração (apaixonar-se, desapaixonar-se), como enfrentar o ciúme, ou a avareza (em si e nos outros), como viver com seu espinho na carne.
A mentalidade contemplativa, que a meditação gradativamente cultiva, torna-se nosso estilo de vida habitual. Isso não diminuirá nossa energia, ou nosso amor pela vida. De fato, ela nos energizará, fazendo com que a vida pareça mais maravilhosa. Como exemplo, se reduz a vasta quantidade de energia que podemos gastar para chegar a simples decisões. Os problemas que nos ocupam, o fazem por menos tempo. A angústia da escolha se dissolve na ação da atenção. [E] quando olhamos claramente, enxergamos realmente...
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