domingo, 26 de setembro de 2010

Não é o que você pensa…


Por Yuri Vasconcelos | Revista Vida Simples

Pare de pensar tanto. Viva um momento de cada vez. Melhore sua saúde. Conheça a si mesmo. Isso é meditação. Agora veja como praticá-la no dia-a-dia.


Quando se fala em meditação, a gente logo pensa em alguém sentado de pernas cruzadas sobre uma almofada no chão, com a coluna ereta, as mãos apoiadas sobre os joelhos, os olhos cerrados, a boca levemente aberta e um silêncio sepulcral dominando o ambiente. De fato, essa é uma maneira clássica de meditar, mas não a única. Existem várias técnicas para mergulhar nesse estado de introspeção. Dá para meditar de olhos abertos, ouvindo música, andando ou durante tarefas cotidianas como passar a roupa, cozinhar e tomar banho. Sim, porque meditação não é uma ação, e sim um estado de espírito. "Meditação é a qualidade de estar consciente e alerta. O que quer que você faça com consciência é meditação. A ação não é a questão, mas a qualidade que você traz para a ação", afirma em um de seus livros o líder espiritual indiano Mohan Chandra Rajneesh, também chamado de Osho, que morreu em 1990. Ou seja, o que importa é estar focado naquilo que se está fazendo. "Para colher os benefícios da meditação, não precisamos nos isolar do mundo, mas, pelo contrário, incorporar a prática meditativa ao nosso cotidiano", diz o médico Jou Eel Jia, presidente da Sociedade Brasileira de Meditação Médica.

O segredo está em prestar atenção em cada momento do presente. Parece simples, e é. Mas exige uma mudança de postura perante a vida. Uma mudança sutil, porém fundamental. Afinal, fomos ensinados que, para resolver os problemas cotidianos, é preciso pensar e se preocupar com eles. O resultado disso é que passamos a maior parte do dia, senão o dia todo, com a atenção dispersa no passado (o desentendimento com a colega de trabalho, a seção de ginástica perdida) ou no futuro (o projeto que precisa ser entregue amanhã, a viagem do próximo feriado). Pouco a pouco, esses pensamentos recorrentes vão acumulando uma carga nociva de angústia pelo que aconteceu e ansiedade pelo que vai acontecer.

Meditar é adotar a atitude contrária. É concentrar-se no presente, tornar conscientes os gestos automáticos mais banais. Ao tomar banho, por exemplo, atente para o que está fazendo em vez de lavar-se automaticamente enquanto pensa na lista de compras do supermercado. Note o cheiro do sabonete, a temperatura e o som da água. Quando for se sentar, no trabalho ou à mesa de jantar, preste atenção na postura, na posição de suas pernas e na sensação na coluna. Na fila do elevador, note como estão dispostos os ombros, o abdômen e os pés. Deixe para se aborrecer com o serviço atrasado quando chegar a sua mesa de trabalho. Em outras palavras, a recomendação dos mestres da meditação se parece com um bom conselho, daqueles que só uma avozinha querida seria capaz de dar: "Pare de pensar e de se preocupar e viva um momento de cada vez". Reconfortante, não?

Corpo, mente e espírito
A idéia é essa: confortar, acalmar a mente e trazer paz ao espírito. Resumindo: aumentar o bem-estar. "Ao meditar, a pessoa cultiva estados da mente que levam à paz e ao bem-estar", diz Ken O'Donnell, coordenador para a América Latina da Brahma Kumaris, universidade espiritual de origem indiana que hoje tem mais de 4 mil centros no mundo. Mas não é só isso. Os especialistas dizem que, ao meditar, é possível experimentar uma sensação de unidade com o cosmo que é nossa verdadeira essência, nosso ser real. "As pessoas meditam, fundamentalmente, por três razões: conhecer a si mesmas, ampliar a percepção da realidade e viver no espaço do sagrado e atingir uma comunhão com o divino", diz Lia Diskin, da Associação Palas Athena, de São Paulo, que organiza cursos de meditação.
Essas promessas já seriam suficientes para fechar os olhos e entoar um mantra, mas ainda tem mais. Meditar faz bem à saúde, dizem os mais respeitados cientistas e médicos dos melhores centros de estudos do mundo. Eles ainda não sabem por quê, mas a lista de benefícios comprovados não pára de crescer (leia quadro na página ao lado).

Não é de espantar, portanto, que haja tanta gente meditando. Só nos Estados Unidos, pelo menos 10 milhões de pessoas meditam regularmente, o dobro de uma década atrás. Lá, a prática está sendo incorporada ao cotidiano em escolas, empresas, hospitais, repartições públicas e escritórios de advocacia. Nas penitenciárias americanas, a meditação é usada para recuperar os detentos e tem conseguido evitar que muitos voltem ao crime depois de libertados (como há tempo de sobra, as sessões duram horas). No Brasil, não existem estatísticas que apontem quantos são os praticantes, mas acredita-se que o número cresce ano a ano.

Toda hora é hora
Mas em que momentos do dia-a-dia é possível meditar? Em tese, todos. Na verdade, os grandes gurus meditam ininterruptamente, ou seja, passam todos os momentos atentos ao presente, a cada momento. Para a maior parte das pessoas, porém, que não atingiu esse estado de atenção, convém exercitar a concentração. Veja a seguir algumas dicas de como aproveitar o cotidiano para treinar. Antes de mais nada, um lembrete importante: reserve um tempo para cada atividade. É impossível concentrar-se em uma ação se você ficar pensando que já está na hora de fazer a próxima.
Os vários minutos gastos no trânsito, por exemplo, podem ser aproveitados para meditar, segundo o médico acupunturista Jou Eel Jia. "Observe sua respiração ou entoe um mantra (não se assuste com o nome. Mantra pode ser qualquer som que ajude a concentrar). Isso vai ajudar a enfrentar os congestionamentos e trará um grande bem-estar físico e emocional." Segundo Jou, não tem perigo de bater o carro.

E por que não meditar caminhando? A terapeuta holística Veena Mukti diz que é possível fazer isso no caminho para o mercado ou na academia. "Quando estiver correndo ou caminhando na esteira, por exemplo, desligue-se da televisão que está ali na frente. Fixe o olhar em um ponto qualquer à sua frente e sinta a sua respiração. Ao mesmo tempo, observe cada movimento do seu corpo. Concentre-se no movimento de seus braços, de suas pernas, do seu pé. Tente manter a mente livre dos pensamentos e, quando eles vierem, simplesmente volte sua atenção à atividade que está fazendo", diz ela.

Também é possível meditar enquanto andamos no parque, no caminho para a padaria ou subindo e descendo escadas. O monge budista Thich Nhât Hanh, autor do livro Meditação Andando (Editora Vozes), criou uma técnica baseada na observação da respiração e das passadas. "Ao caminhar, mantenha um leve sorriso nos lábios e pratique a respiração consciente contando os passos", diz ele. "Observe cada respiração e o número de passos que dá ao inspirar e ao expirar. Se der três passos durante uma inspiração, diga baixinho 'um, dois, três', ou 'dentro, dentro, dentro', uma palavra a cada passo. Se der três passos enquanto expira, diga 'fora, fora, fora' a cada passo." Segundo o religioso, "quando estamos conscientes, intensamente em contato com o momento atual, aprofunda-se nossa compreensão do que está acontecendo e começamos a ser preenchidos de aceitação, alegria, paz e amor".

Hora de comer também pode ser hora de meditar. No almoço ou na janta, há muita coisa para reter a atenção. Aos poucos, você vai notar que cada alimento tem sabor, aroma, textura e temperatura próprios. Preste atenção na mastigação, na distribuição dos alimentos no prato, sua postura à mesa, sua respiração. Acabou a refeição? Medite na pia, ao lavar a louça. Observe o formato, as cores, a textura e o peso do prato. Fique atento ao movimento que você faz ao pegá-lo e sinta a temperatura da água e a textura da esponja e da espuma. Ouça o som da água saindo da torneira e o barulho da própria louça na pia. Sinta o aroma do detergente e observe sua respiração.

Terminou? Tudo limpinho no escorredor? Não disperse. Mantenha a sintonia também ao enxugar a louça, guardar os pratos, arrumar o guarda-roupa, pentear os cabelos, vestir-se e ao longo do dia todo. Isso é meditar. Com a prática, a cada dia dá menos trabalho conectar-se ao presente.

Fonte: http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/014/entendimento/conteudo_238149.shtml

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