terça-feira, 19 de abril de 2011

Felicidade Sim...


Eis aí uma coisa que todo mundo quer: ser feliz. Mas o que é ser feliz, afinal de contas? Como encontrar a felicidade? Será que realmente estamos preparados para ela?


Por Liane Alves | Revista Vida Simples

Felicidade é busca
Hoje é difícil entender por que os filósofos gregos insistiam tanto na virtude como solo firme para o nascimento da felicidade. Esse elo tão estreito é quase incompreensível na era da propaganda, do marketing e da televisão: quase ninguém associa mais virtude com o fato de ser feliz. Isso porque perdemos a pergunta-chave que antecede a maioria das teorias dos pensadores da Grécia. E a pergunta é: “O que torna uma vida digna de ser vivida?” Uma vida feliz só pode ser uma vida com significado, pensavam os gregos. E aí a virtude faz sentido. Dizia Aristóteles que a felicidade era a meta de todas as metas: tudo o que fazemos, no fundo, é para sermos mais felizes. Dinheiro, poder, são apenas meios para isso. Ele falava também que existem dois tipos de felicidade: a de uma vida virtuosa (a do homem bom, honesto e simples) e a nascida da contemplação (que pertencia ao mundo dos místicos e filósofos). Só eles poderiam se sentir felizes ao tentar compreender o sentido da vida ou ao buscar uma experiência espiritual que a preenchesse de significado.


É importantíssimo diferenciar as duas dimensões da felicidade. E essa talvez seja mais uma das grande indicações do seu caminho. Uma está relacionada à conduta correta na vida e também aos pequenos e simples prazeres que os relacionamentos (e até os bens materiais) podem nos proporcionar. A outra é imortal e não pertence a este mundo. Pode até ser uma forma de viver o paraíso na Terra. mas não é para muitos.
Uma das mais saborosas descrições desse tipo, digamos, mais humano e mortal de felicidade está no livro Sob o Sol da Toscana, da americana Frances Mayes. Das páginas escritas por ela salta o perfume da erva-cidreira colocada na água do banho, da sálvia que recheia o lombo de porco assado ou do alecrim que, junto com o sal grosso, tempera a galinha-d’angola. Lendo suas palavras, também quase se pode ver os vários estratos vermelhos das paredes descascadas da sua casa, assim como os dourados dos croutons de polenta na sopa de tomates maduros. A escritora chilena Isabel Allende é outra mestra que fala dessas alegrias do cotidiano, dos prazeres femininos pressentidos e provados no dia-a-dia.
Desse tipo de felicidade mais humana também são feitas as viagens. Não há peregrino que não estampe um sorriso beatífico no rosto ao contar as aventuras, contratempos e descobertas de suas viagens. Peter Musson, um fotógrafo inglês com quem compartilhei várias reportagens, é um deles.Viajante inveterado, capta nas suas lentes a felicidade de estar sempre com a mochila nas costas. É para sua câmara que as crianças da Jamaica dão seus melhores sorrisos ou que os velhos dos altiplanos andinos dirigem um olhar profundo de confiança. Porque ele transpira felicidade pelos poros quando viaja, e as pessoas percebem isso. “Me sinto mais vivo”, admite. Tem gente assim, como Peter, que é mais feliz viajando. Outras pessoas adoram ficar sentadas paradas no alpendre de um sítio. Outros ainda são empreendedores, dão tudo para trabalhar e realizar projetos. Não importa. “Siga sempre sua bem-aventurança, aquilo que você acha que vai fazê-lo feliz. Temos de aprender a abdicar da vida que planejamos para ter a vida que está esperando por nós”, escreveu com sabedoria o mitólogo Joseph Campbell, talvez um dos seres humanos que mais defenderam o direito inalienável de todos pela busca da felicidade. Foi o que fez Shirley, a heroína do filme Shirley Valentine, um dos mais interessantes já feitos sobre essa busca. É sobre ela que vou falar agora.

Felicidade é aqui
Shirley é uma dona-de-casa de meia-idade londrina que não tem com quem falar de manhã. Seu marido sai cedo e ela só tem as paredes para cumprimentar. E é o que ela faz sempre. “Bom dia, parede? Como vai, parede? Dormiu bem?”O sonho de Shirley,que para ela seria a suprema felicidade, é um dia assistir a um pôr-do-sol numa praia deserta da Grécia, vestida com uma roupa vaporosa de verão e com um copo de vinho branco gelado a seu lado. Filme vai, filme vem, e Shirley consegue realizar seu acalentado sonho, nos mínimos detalhes. Para descobrir, logo em seguida, que sua felicidade não tinha nada a ver com aquilo. E aí vem o pulo do gato da história: ela descobre que aquele cenário idealizado não a torna mais feliz mas, ao mesmo tempo, opta por não voltar mais para a Inglaterra.Decide tentar sua felicidade de outro jeito, mais aberto, vivendo na Grécia. Não vou contar o fim do filme, que é inesperado, mas até aqui já dá para perceber que muitas vezes somos como nossa querida Shirley, tanto na idealização de uma forma fixa de felicidade quanto na tendência de querer adiá-la para um futuro quase inatingível. Portanto, não adiar muito um projeto que nos faça mais felizes, assim como não idealizá-lo em demasia,podem ser boas indicações (e lições) no caminho que conduz à felicidade.Você pode ser feliz agora, se quiser, nas suas condições mesmo,mas também pode ter um projeto para realizar que traga mais alegria a seu futuro.Algo que você gostaria de contar para seus netos, algo bacana de se orgulhar de ter feito na vida.
E a urgência na realização desse sonho tem um motivo bem concreto:não somos imortais.Você pode não acreditar, mas a morte é boa conselheira quando o assunto é ser feliz. “Somos, pelo que sabemos, a única espécie capaz de refletir sobre a própria mortalidade, as únicas criaturas deste planeta capazes de vislumbrar o fim da própria existência”, escreveu Mark Kingwell no livro Aprendendo Felicidade. Segundo Kingwell, a noção de que somos finitos, e de que a morte é inesperada, nos ajuda a revisar e reavaliar os valores que consideramos mais importantes na busca da felicidade, seja trabalhar como voluntário de uma entidade humanitária na África, seja reconciliar-se com um parente próximo. Até as pequenas bobagens da vida que nos trazem alegria alcançam outra dimensão quando se pensa na morte. Com essa perspectiva, fica mais fácil tomar aquele sorvete numa tarde deslumbrante de outono ou molhar o cabelo na chuva num dia quente de verão.
Felicidade é agora
Dois livros nos fazem lembrar da morte (afinal de contas, nascemos com prazo de validade) de uma maneira leve e divertida. O primeiro, 100 Coisas para Fazer (Antes de Morrer), é quase uma brincadeira em forma de almanaque, com dezenas de histórias de pessoas que realizaram seus projetos de felicidade, seja viajar à velocidade do som, seja meditar nas cavernas do Nepal. Os autores, Michael Ogden e Chris Day, também ensinam como construir sua lista de felicidade, com grandes e pequenos projetos, e até como alterná-los, se for possível. É um livro de auto-ajuda debochadamente assumido, e talvez por isso tão simpático.
O segundo, escrito pela americana Patricia Schultz, chama-se 1000 Lugares para Conhecer Antes de Morrer. Quem sabe não vai constar da sua lista você querer visitar o Jardim do Administrador Humilde, na China, que dá a impressão de flutuar na água? Ou o pagode de Shwedagon, na Birmânia, uma reluzente stupa (monumento sagrado) budista de 32 andares revestida interna e externamente de ouro. Ou, mais perto, a praia de Itacaré. É possível que nesses lugares a felicidade não esteja esperando exatamente do jeito que você imaginou, como aconteceu com Shirley Valentine.Mas a alegria de se ver indo realizar um sonho, o entusiasmo de imaginar as lindas paisagens e pessoas que vai conhecer, o prazer ao fazer o planejamento da jornada, isso ninguém vai tirar de você. Talvez nem perceba, mas é bem provável que você esteja muito mais feliz nesses meses ou dias que antecedem a partida, ou mesmo durante a viagem, do que exatamente no seu destino. A vida também pode ser assim. A felicidade perpassa todo o percurso, do começo ao fim. Ela é o próprio caminho, e estará sempre ao alcance da mão, é só querer. E isso – que alívio! – é muito bom. E perfeitamente possível para cada um de nós alcançar.
Para saber mais
Livros: 
A Fórmula da Felicidade, Stefan Klein, Sextante
A Mais Bela História da Felicidade, Sponville, Delumeau, Farge, Difel
Aprendendo Felicidade, Mark Kingwell, Relume Dumará
A Viagem de Heitor, François Lelord, Sá Editora
Felicidade, Desesperadamente, André Comte-Sponville, Martins Fontes

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